30.1.07

transfusão.

Imagem por Cláudio.


O corpo é ávido, como tu. Ávido porque todos os dias saímos porta fora, e porque todos os dias há comboios que partem sabe-se lá para onde. Há corpos que descolam para lá. Partem com a sensação de perda e o ritmo parte também. E quando acordas numa manhã em que a temperatura estica os braços e as pernas para pólos distantes, ainda sentes mais essa partida.

E partes. Em partes não iguais.

Porque cá os tripulantes esforçam as línguas e o ordenado é mal pago. Mas não existe a trepidação dos carris, e todos ficam por cá. Porque não existe trepidação. Porque não se paga bilhete.

E o que estranhamente se repugna, uns instantes depois é sangue e pode ser transfundido. É vida. Estranhamente é vida. Porque existe pelo meio a exploração do desconhecido, porque o desconhecido muitas vezes nauseia, porque é estranho e torce o estômago.

Quando passo no jardim do Príncipe Real, pelo meio, vejo que está frio e que algures nas ruas está um sujeito que busca e está torcido, porque busca. E escuto um casal de namorados que se beijam com as línguas, e sorriem, e lutam esgrima com as línguas, e falam, mas não se percebe o que dizem. Esses não buscam. Têm o estômago limpinho e direitinho. Mas aquele riso pode vir do estômago. Estará torcido?

Desço e caminho, o frio vem da calçada molhada e aparentemente o que podia ter sido uma viagem de comboio, em boa verdade, não foi. Mas estranho tudo, e é agradável.

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