8.1.07

alma de corda.



puxei do vento linhas de tecido
arranquei da terra um agulhão de lata
dobrei a forma do novelo
e reforcei a consistência do metal

ouve-se deste quarto o som das aves
mesmo de janela cerrada.
na rádio o som do abismo.
teço e dou cordas aos timbres e aos hertz

coso laçadas e nós de ritmo
costuro também imagens do exterior
que dão fio e cor aos entrelaçados
e moldam a forma de uma alma

reparo que a criação é veloz
pariu-me nas mãos a força de uma forma
que vem de fora e é filho deste quarto

tem cores que desconheço, é dócil, terna,
e para aconchego,
tem na malha o ferro
que o agulhão consagrou no parto.

4 comentários:

Anónimo disse...

O teu poema é uma ode ao interior, ao afago do lar, à possibilidade de se parir numa cama com lençóis lavados.Uma ode ao chão de soalho que range e à fuligem que desliza com o vento que descende pela chaminé como se estivesse numa colina. Maternal..

Peter S

piquenique disse...

agradeço-te a simbiose. obrigado.

txi

Anónimo disse...

Não teço comentário à forma do escrito...não teço comentário à forma do traçado...não teço comentário ao grito do ferro que o agulhão consagrou no parto...faço apenas um traço ao rasto do bolo que o pique nique deixou espalhado pelo prado...

A migalha do bolo que deixas no prado está cheia de loucura. A doçura do bolo é perniciosa. A forma como nos deixas migalhas, aqui, no prado, é ilógica, anárquica. Deliras, pensam os glutões que se enchem das tuas migalhas, a maior parte do tempo. Mas é aqui que nos proteges da sensação de asfixia, de estarmos enterrados no mundo. No meio deste prado, deste teu prado, pensamo-nos como um lapso de tempo, um estado inadmissível da vida.

E tu?

Ao deixarmos o prado, continuarás a deixar migalhas. De uma maneira diferente. À luz do desejo e talvez, sem o saber, do amor nascente. As migalhas referem-se tanto a ti como ao bolo que ingeres. E os teus sabores e dissabores estão tão misturados que já não é possível distinguí-los uns dos outros. No entanto, a tua história pessoal jamais se sobrepõe ao que nos deixas no prado.

Ler aqui é ao mesmo tempo uma felicidade e um estado muito exacto de abandono ou um pensamento em devir. Uma forma de pensar e não pensar, talvez – a distância não é grande. Ler-te aqui é já quase viver...

Paulo

piquenique disse...

Paulo,
agradeço-te muito as tuas palavras, mas é um prazer enorme saber que as minhas sensações também são intensas para os outros, e para ti. Era essa partilha que queria concretizar.

Não te consigo sublimar o agrado e o reconhecimento em palavras tão bem como tu o fazes e fizeste, mas fica a sensibilidade que adquiri, e isso sim é importante.

agradeço-te,

abraço muito forte *